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‘Muro da Oscar Barcelos’ vira símbolo da má gestão e envergonha políticos no Alto Vale

Alvo de denúncia, obra inacabada faz parte de polêmica que já se arrastava por mandatos de três prefeitos rio-sulenses. Rolo foi tamanho que, após glosa técnica, executivo acabou perdendo a verba a que teve direito por conta da enchente de 2011 e terá que devolver R$ 1,5 milhão à União – com juros. Quem paga essa conta?

Por Redação

11 de maio de 2023

às 18:15

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Cada vez que o contribuinte quiser lembrar do que os políticos são capazes – ou não – de fazer, basta dar uma paradinha para contemplar o muro de contenção da Avenida Oscar Barcelos, no centro da cidade, em Rio do Sul, no Alto Vale do Itajaí (SC).

Se fosse para instalar um letreiro no local, uma frase adequada poderia ser: “Muro da Vergonha: verba federal desperdiçada! Adivinha quem vai pagar a conta?”

‘Muro da Oscar Barcelos’: incompleto e sem os recursos federais. (Foto: Alto Vale Agora)

A polêmica em torno da obra inacabada já se arrasta ao longo de 11 anos, período que proporcionou quatro mandatos, sem que nenhum dos três prefeitos no período conseguisse solucionar a pendenga, poupar constrangimento, evitar prejuízo e até eventual risco.

Esse verdadeiro fiasco leva várias ‘assinaturas’. Primeiro, a do ex-prefeito Milton Hobus (PSD). Foi ele quem contratou o serviço na encosta em 2012, após o desmoronamento provocado pela enchente no ano anterior; e logo se viu enrolado.

Encosta desabou ao lado da avenida durante enchente de 2011. (Captura de Tela: Processo/MDR)

Depois, veio o ex-prefeito Garibaldi Antônio Ayroso, o “Gariba” (MDB), de 2013 a 2016, que também não resolveu o rolo, iniciado nas mãos do seu antecessor.

Já o fracasso derradeiro recai sobre José Thomé (PSD). Empossado em 2017 e reempossado em 2021, o afilhado político de Hobus não teve força para limpar a barra do seu padrinho, tampouco de Garibaldi. Com eleição e reeleição, deixou o caso agravar até chegar ao pior desfecho: a restituição milionária de recursos.

Quer dizer: a conclusão de um muro, de 110 metros de comprimento e de cinco a 13 metros de altura, foi um desafio grande demais – para três prefeitos.

Mapa mostra (seta) localização do talude da Avenida Oscar Barcelos. (Captura de Tela: Processo/MDR)

Devolução

Não bastasse que o serviço ficou inacabado, em função do desacerto, a prefeitura foi obrigada a devolver R$ 1.514.010,64, em 36 parcelas, corrigidas, dia 15 de cada mês.

A exigência ministerial decorre da constatação, através de laudos periciais, de falhas relacionadas à execução do trabalho e a erros na prestação de contas da obra, acompanhamento que ocorria desde 2012. Inclusive, se negasse a devolução, o Município correria o risco de não receber novas verbas federais.

Em fevereiro de 2023, uma lei aprovada na Câmara Municipal e sancionada por José Thomé reconheceu e autorizou o pagamento parcelado do débito.

Mas os repasses já haviam começado um ano e um mês antes. O “Termo de Parcelamento” foi assinado eletronicamente na manhã de 20 de janeiro de 2022 pelo prefeito e pelo Secretário Nacional de Proteção e Defesa Civil, Alexandre Lucas Alves. A primeira parcela foi paga naquele mesmo mês. Valor: R$ 47.980,51.

Extrato da 1ª parcela da verba milionária em devolução pela prefeitura rio-sulense à União. (Captura de Tela: Processo/MDR)

Na 16ª parcela, o Município pagou, em abril deste ano, R$ 52.197,27. Deste total, R$ 10.141,42 são apenas de juros da dívida.

Segundo o Portal da Transparência, o montante devolvido até agora soma R$ 803.160,85, restando ainda 20 parcelas a pagar.

Portanto, a bizarrice termina somente em dezembro do próximo ano, mês que Thomé entrega o cargo.

Até o capítulo final, apenas a perda com a incidência de juros sobre a dívida deverá atingir, no mínimo, R$ 200 mil, elevando o montante do débito para “R$ 1.710.983,42”, nas contas do próprio governo federal.

Extrato da quitação da parcela mais recente do acordo de devolução da verba federal. (Captura de Tela: Processo/MDR)

Desastre administrativo triplo

O portal Alto Vale Agora obteve autorização do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) para fazer, através de um link especial de internet, o “acesso externo com acompanhamento integral do processo”.

De tão longo, processo tem movimentações que não cabem no print… (Captura de Tela: Processo/MDR)

A longa lista de documentos em torno do ‘muro da vergonha’ impressiona.

A coleção de complicações reúne falhas no projeto, suposto superfaturamento da obra, atrasos e descaso na prestação de esclarecimentos ao governo federal.

Ainda assim, a União concedeu diversas chances à prefeitura através de prorrogações e mais prorrogações dos prazos do convênio.

Nada disso foi suficiente para os administradores rio-sulenses garantirem um final exitoso à questão.

Enchente de 2011 que atingiu Rio do Sul, em Santa Catarina. (Foto: Cléber Stassum/Internet/Arquivo)

Milton: ‘herança maldita’

A largada problemática ocorreu sob responsabilidade do ex-prefeito Milton Hobus, na época afiliado ao antigo Democratas, o DEM.

Reconhecida a situação de emergência e de calamidade pública por conta da grande enchente de 2011, o político recebeu do Ministério da Integração Nacional (SE/MI) uma parcela de recursos na ordem de R$ 2 milhões para obras de recuperação em Rio do Sul. Entre elas estava a contenção da encosta que havia desabado durante a cheia na Avenida Oscar Barcelos.

Documentos que informaram liberação dos primeiros R$ 2 milhões para construção do muro na gestão de Hobus. (Capturas de Tela: Processo/MDR)

Tirando o projeto do papel, os trabalhos começaram em maio de 2012, último ano da gestão de Hobus, que deixou uma ‘herança maldita’ ao sucessor dele.

As irregularidades teriam incluído pedidos de análise técnica descumpridos, “erros construtivos executados no início” dos serviços e “17 obras no plano de trabalho” quando “seria possível executar apenas 10” com a verba liberada, segundo a defesa do seu sucessor.

O caso envolveu até um suposto superfaturamento e, mais tarde, denúncias de “irregularidades na construção e manutenção de muro” foram parar no Ministério Público de Santa Catarina (MPSC).

Milton Hobus, ex-prefeito, de 2009 a 2012. (Foto: Reprodução/Internet)

Garibaldi Antônio Ayroso: tentativas e trapalhada

Na sequência, “Gariba” fez a descoberta do emaranhado. Foi logo após assumir o cargo, em 2013, ao buscar a liberação da segunda parcela de R$ 2 milhões do acordo, da qual dependiam os recursos para a finalização da obra.

Além disso, havia outra ‘bomba’. Uma fiscalização do Ministério da Integração, realizada ainda no ano anterior, já apontava “ausência de publicidade no processo licitatório, bem como o pagamento acima do executado no valor de R$ 171.692,40” à construtora.

Em meio ao seu alegado “esforço hercúleo”, das providências e dos esclarecimentos das ações da gestão anterior e ainda sem a verba complementar em mãos, Ayroso vê a construção paralisar.

Quando finalmente o dinheiro entra nos cofres públicos, em setembro de 2013 a cidade é castigada por outra enchente.

Aí, foi a vez de “Gariba” assistir a trapalhada. Indevidamente, o muro, que também sofreu avarias, é incluído em um novo plano de trabalho para recuperação de áreas atingidas, ao invés de receber um aditivo ao convênio original de 2011. Resultado: mais confusão, mais demora e mais prorrogação de prazo.

Até o encaminhamento do “Laudo de Estabilidade Geológica do Muro da Oscar Barcelos” atrasou sob alegação de “pequena quantidade de empresas aptas a realizar e a executar o serviço”.

Quando se deu conta já era 2016, ano eleitoral, novo obstáculo que dilatou ainda mais o vencimento do convênio.

Garibaldi Ayroso, ex-prefeito, de 2013 a 2017. (Foto: Reprodução/Internet)

Thomé: ‘o último prego no caixão’

A partir de 2017, foi a vez de José Thomé não ser bem-sucedido diante do impasse; ao longo de cinco anos de eleição e reeleição.

A Consultoria Jurídica (ConJur), consultada na gestão anterior por conta de entraves de “aspecto jurídico”, já havia recomendado mais prazo.

O próprio político também pediu para retardar a data do fim do convênio e um novo aditivo de R$ 1 milhão para a conclusão da obra do “muro da Oscar Barcelos”.

Diante da ‘bola de neve’ que já tinha despedaçado o termo de compromisso, o Ministério do Desenvolvimento Regional deu um basta.

Além de negar mais prazo e o envio de mais dinheiro, determinou a devolução do recurso financeiro de R$ 1,5 milhão, aceitando o parcelamento, com correção monetária.

José Thomé, prefeito desde 2017. (Foto: Reprodução/Internet)

Três políticos, três desonras

Como é possível constatar, o que começou errado piorou ainda mais. Deu no que deu: uma obra inacabada e, por cima, a obrigação de devolver uma montanha de dinheiro.

No final, os políticos culparam um ao outro, a cheia e o encarecimento de custos iniciais de outros trabalhos de recuperação, o que teria drenado dinheiro e comprometido o pagamento da empresa responsável pela edificação do muro.

Por causa da má gestão, o município perdeu a verba a que teve direito por causa da calamidade, e a conta ficou para ser paga com dinheiro recolhido dos impostos do trabalhador.

A incompetência para resolver a questão conecta, para sempre, três prefeitos ao “muro da Oscar Barcelos”, deixado por terminar.

Da esquerda para a direita: Milton, ‘Gariba’ e José. (Fotomontagem: Alto Vale Agora/Reprodução)

O paredão de blocos de concreto pré-moldado, com suspeita de falta de tirantes de aço de sustentação e sem revestimento, muita gente aposta… um dia desses ainda poderá vir abaixo.

Democraticamente, nosso espaço está aberto para eventual manifestação dos citados nesta reportagem, ou dos seus representantes legais.

Inacabado, ‘muro da Oscar Barcelos’ apresenta fortes ondulações. (Foto: Alto Vale Agora)

(Portaria/MI: nº 732, de 18 de outubro de 2011, publicada no D.O.U. em 19 de outubro de 2011 |  Autuação/Processo: nº 59050.001252/2011-74; Tipo: Proteção e Defesa Civil: Reconhecimento de Situação de Emergência e de Estado de Calamidade Pública, de 29/08/2011 | Termo de Compromisso nº 183/2011 | Contrato Superior: 6444/2023; LEI nº 6.444, de 28 de Fevereiro de 2023 | Art. 4º, § 3º, do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020 | Termo de Parcelamento nº 004/2021 | Empenhos: 596/2022 ; 2355-0/2023 e 2368-0/2023 | Ministério Público de Santa Catarina: Ofício n. 0062/2016/05PJ/RSL, em 21 de janeiro de 2016)

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