Somente depois que a inundação já tinha baixado liberando o trânsito nas vias urbanas e os motoristas nem precisavam mais usar a transenchente, o prefeito de Rio do Sul (SC), José Thomé (PSD), cascalhou parte do desvio para veículos. O gestor municipal é o mesmo que criticou a demora no fechamento das comportas da Barragem Sul, localizada em Ituporanga. No entanto, o político, que recentemente recebeu o prêmio de “prefeito empreendedor”, esqueceu de deixar a rota alternativa em condições de uso, apesar dos alertas de que havia risco elevado de cheia.
Na antiga “estrada do trem”, no bairro Barragem, as pedras foram espalhadas no caminho de chão batido por trás do Residencial Verde Vale entre sexta-feira (6) e a manhã de sábado (7), segundo contaram moradores ao portal Alto Vale Agora. Neste período, o sol brilhava forte fazia dois dias e era possível transitar livremente pela Estrada da Madeira, já sem água sobre a pista.
A obra de ‘emergência’ – atrasada – teve custo? Com a resposta os vereadores, pagos com R$ 8 mil mensais para fiscalizar o município.

‘Translama’: descaso e amadorismo
Como até hoje ainda não foi asfaltada, a péssima situação da transenchente bem que poderia render-lhe um nome mais apropriado: ‘translama’.
A falta do cascalhamento prejudicou, mais uma vez, os condutores que precisaram se deslocar entre os bairros Budag e Barra do Trombudo durante a cheia.
Repleta de buracos e coberta pelo lodo, a precariedade da estreita via de mão única registrou trânsito lento, longas filas e até veículos atolados.
Não bastasse a estrada escorregadia, a Guarda Municipal expôs seu despreparo ao tardar para aparecer no local.
Sem orientação policial e com outras duas ruas do alto do morro convergindo para o trecho, houve um “nó no trânsito”.
Durante o tempo que faltaram os profissionais equipados com radiocomunicadores em cada um dos extremos do desvio, os próprios moradores foram vistos sob a chuva tentando ajudar a resolver a confusão.
Descalibrado
Enquanto apontava o dedo para os atrasos dos outros, José Thomé havia deixado de fazer outra importante lição de casa em Rio do Sul.
Escandalosamente, o principal sensor de telemetria da cidade foi calibrado apenas na tarde de sexta-feira (6), dois dias depois do término das chuvas.
Durante todo esse tempo, o equipamento, instalado na ponte Dom Tito Buss, que liga os bairros Jardim América e Canta Galo, apresentou medição 40 centímetros acima do que o registrado nas réguas aferidas pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Ou seja, o pico da cheia foi de 9,34 e não de 9,74 metros.
A falta de revisão, que implicou em erro inadmissível de medição no nível da enchente, descoordenou os avisos de alerta e apavorou ainda mais os moradores, que pagaram a conta.
O episódio também expõe a preocupante dessintonia entre a Defesa Civil de Rio do Sul e a Defesa Civil Estadual que, na tarde de domingo (8), ainda desinformava sobre o suposto nível máximo das águas.

Absurdos
A ‘enchente da vergonha’ de maio de 2022 expôs, como nunca, as entranhas políticas regionais e estaduais.
O povo viu o governador prometendo “planos para o futuro”. Na verdade, a construção de barragens para mitigar desastres naturais já é aguardada há décadas.
Ouvimos um deputado estadual dizendo que está tentando descobrir o paradeiro de R$ 21 milhões que foram depositados pela União para o governo de Santa Catarina fazer a manutenção das barragens Norte, Sul e Oeste.
Também houve o sobrevoo de helicóptero de outro parlamentar tentando mostrar empatia aos atingidos pela inundação no Alto Vale. Ocorre que ele é campeão de gastos com diárias na Assembleia Legislativa (Alesc).
Percebemos ainda mais outro deputado querer sair de ‘herói’ na decisão do fechamento – atrasado – das comportas da Barragem Sul. Acontece que o político tem experiência como ex-secretário da Defesa Civil de Santa Catarina e poderia ter pressionado pelo trancamento das águas já um dia antes. Além disso, foi ele o responsável pela construção de um radar meteorológico que, até hoje, figura como um elefante branco.
Por fim, a perplexidade tomou conta com o “empreendedorismo” de um prefeito que cascalhou a rota de fuga depois que a água do rio já tinha baixado.

Apesar de tudo isso, você acredita que os políticos nos representam? Ou para eles é assim: quanto pior a enchente, melhor? Afinal, desastres naturais sempre acabam sendo uma espécie de safra que garante verbas extras – e, muitas vezes, com posterior aplicação duvidosa dos recursos recebidos.
Agora, será que os nossos vereadores vão fiscalizar o uso do dinheiro que virá para evitar o risco de desvios?

Fotomontagem de Capa: Alto Vale Agora